domingo, 12 de setembro de 2010 às 13:41

Um desabafo sobre a humilhação pública do campeão Andrade

Sou rubro-negro desde criancinha. Já naquela época era fanático. Lembro que reunia amigos e primos para rezar durante as partidas. Fazíamos um esquema de revezando de modo que cada um dos 90 minutos tinha alguém ajoelhado no cantinho com um terço na mão. Cresci um pouco e comecei a colecionar artigos relacionados ao clube. Jornais, revistas, álbuns, discos, tudo era catalogado e arquivado.

Um dia minha mãe entrou no meu quarto e levou um susto: eu havia pintado toda a parede com tinta guache vermelha e preta. Sobre os armários muitos quadros e pôsteres de todos os ídolos. No meu aniversário de 10 anos enlouqueci meu pai até ele comprar uma cama com o brasão. Eu vivia assim, fantasiado de radical islâmico.

A idade não me trouxe juízo. Com dinheiro no bolso virei um andarilho. Onde tinha uma TV ligada passando jogo, lá estava eu. Bares, restaurantes, casa do vizinho, qualquer lugar servia. Já escutei centenas de jogos com um radinho colado ao pé do ouvido. Nada era motivo para perder um jogo. Já peguei chuva, sol, doenças. Comprar a camisa virou tradição. Todo ano ficava angustiado até saber que o novo modelo havia chegado. Não importava o preço, bastava dividir em 10 meses e diminuir o leite em casa.

Fui duas vezes ao Maracanã, em ambas não tinha grana e nem tempo, mas fui. Uma vez sai de São Paulo sozinho na madrugada e assisti um Flamengo e Vasco pelo Carioca. Lembro também da oportunidade em que a equipe comandada por Júnior Baiano veio até Teresina. Furei o bloqueio da segurança e tirei fotos com os jogadores. Na saída subi na grade para acenar ao time que ia embora. Torcer pra mim era quase uma profissão. Quando minha filha nasceu, logo comecei o trabalho de flamenguistização da criança. Como um ritual diário, ela beijava a camisa, escutava o hino e dormia ao som de cantigas entoadas pela torcida.

Até que um dia o nosso goleiro, capitão e melhor jogador do time, foi acusado de uma atrocidade. Não algo qualquer, como briga com baderneiros. Estamos falando na morte e esquartejamento da mãe do próprio filho. Por alguns dias refleti profundamente o impacto daquilo no clube. Aos poucos percebi que o clube estava intacto. Perdeu algum dinheiro, mas logo apareceu outro atleta para substituí-lo à altura. Escolheram um novo capitão e seguiu-se a vida.

Torcedores mais sensatos aproveitaram a oportunidade para fazer um histórico dos problemas enfrentados pelo Flamengo ao longo das últimas duas décadas. Foi então que caiu a ficha. Eu havia mudado. Não conseguia mais torcer como antes. Perdi a motivação de sair de casa para assistir aos jogos. Não tinha mais coragem de vestir o uniforme do time. Os amigos próximos logo começaram a dizer que isso era algo passageiro, que tudo seria como antes, o Flamengo era maior do que tudo e que todos.

Pois bem, digo pra vocês que não é. O Flamengo não está cima de tudo!

Sabe por que resolvi fazer esse desabafo hoje? Não é pelo melancólico empate de ontem, não é pelo rebaixamento iminente, não é pela imundice que estão fazendo com o Zico, não é. Resolvi escrever sobre esse meu "conflito existencial", como dizem alguns, por causa do Andrade.

O que a Diretoria do Flamengo fez (e está fazendo) com esse homem é uma falta de respeito sem precedentes. Um clube que se vangloria por ter a maior torcida do Brasil não tem o direito de fazer o que fizeram. Justamente por sua grandiosidade, o Flamengo deveria ser exemplo de moral, ética e respeito. A torcida e os ídolos deveriam ser tratados com afeto e dignidade.

Hoje assisti uma reportagem no Esporte Espetacular, da Rede Globo. Fiquei absolutamente emocionado com a humildade, o caráter e a virtuosidade do Andrade. Ele pegou um clube em ano eleitoral, com 17 anos sem um título nacional, jogadores problemáticos, crise financeira e total falta de estrutura. Tirou o time das últimas posições na tabela e consegui ser campeão brasileiro. Foi escolhido melhor técnico por profissionais da área, classificou o clube pra fase final da Libertadores e manteve aproveitamento superior a 70%. Mas nada disso adiantou.

Por um interesse político de uma mulher que prometeu "um novo Flamengo", ele foi demitido de forma humilhante.

Sabe o que isso trouxe? Ninguém mais quer ir pro Flamengo. Basta notar a dificuldade em contratar novas peças. O clube foi recusado por Felipão, Parreira, Carpeggiani. Ninguém quer ser o próximo "Andrade". Estão certos, afinal, quem de nós iria para uma empresa que premia títulos com ultraje. O que se sucedeu à demissão? O time desceu ladeira abaixo. Perdemos tudo, de pontos na classificação ao respeito próprio. E não devemos nos enganar, fundo do poço não é a segundona. Fundo do poço é o local que o Flamengo está hoje: a falência moral.

Andrade é o símbolo de tudo isso.

Assista à reportagem:

Comentários
2 Comentários

2 ] :

Unknown disse...

dani...lembro de uma vez q vc tb saiu de belo horizonte para assitir um jogo do flamengo...na epoca do treinamento dos correios...quanto ao flamengos não esta mais ganhando pq os matadores sairam, ai quem vai marcar gol....ninguem...quanto ao andrade esta tudo mal explicado...pq nao dar credibilidade a um treinador q recentemente foi campeao do brasileiro? resposta essa q ficara com certeza sem resposta.

Ari disse...

O grande problema, na minha opinião, era a idolatria que vc nutria ou nutre ainda pelo Flamengo, apesar de fazer suas reflexões positivas... Eu fui um torcedor que ficava muito triste quando o Flamengo perdia, mas com o tempo se dissipava no ar. Nunca fui de andar vestido com o manto, não que não gostasse ou achasse bonito, mas pelo receio de existir torcedores xiitas de outras torcidas, assim com tem na nossa e isso virar um problema de agressão verbal ou física...

Admirava ou achava interessante o seu amor pelo Flamengo, já que o meu amor é mais racional.. mas louvo agora também o seu amadurecimento em não reconhecer mais o Flamengo como algo acima do bem e do mal... Futebol é coisa para ser levado a sério pelos dirigentes em todos os aspectos. Eu, entretanto, quero tê-lo com um entretenimento.

No futebol acontecem muitas injustiças, como no Flamengo, Santos, seleção brasileira, internacional... olha ai o jogador Caçapava, ídolo do colorado e hoje vive aqui em Teresina treinando times de “10ª divisão” ou mesmo desempregado... ele foi jogador da seleção brasileira! O Rogério Ceni foi idolatrado agora ao fazer 20 anos de clube.. em 2001 foi penalizado pelo presidente do São Paulo que o acusou de manipular sua venda para um time da Inglaterra... enfim, injustiças sempre vão acontecer, seja no futebol ou em qualquer outro esporte... isto acontece porque faz parte da natureza humana.... se é certo? Não, não é isto que estou dizendo, mas que faz parte, somente. Cabe o julgamento a cada um de nós fazer... Um dia vc tomou uma consciência que para muitos é era exagero.. cada um no seu tempo. rs...

Abraços e boa semana.



Flamengo na 1ª ou 2ª divisão, sempre Flamengo, mas com consciência desportiva. Batendo palmas como os ingleses burocráticos, pausadamente, rs...

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